segunda-feira, 27 de julho de 2009

Entre Pinchers e Vampiros

Aqueles que convivem comigo há algum tempo já devem ter me ouvido contar, talvez uma, duas, ou mais vezes, a história da minha própria entrevista com um vampiro. É uma história que vez por outra surge na mesa de bar. Gosto de contá-la porque não sou uma pessoa que acredita no sobrenatural, e também nunca vi muita coisa estranha (corrijo, nunca vi muita coisa cientificamente inexplicável, coisa estranha vejo todo dia). É por isso que esse vampirinho me fascina e nunca me saiu da memória. Resolvi, pois, apresentar a historieta ao mundo digital.
Fazia poucas semanas que eu me instalara definitivamente em Guarapuava, no terceiro ano da faculdade, como estagiário em um departamento da UNICENTRO. Morava sozinho pela primeira vez na vida, em uma kitinete cheia de lesmas. Como a maioria dos jovens que já estagiaram na UNICENTRO, tive a sorte de estar em um departamento que me permitia uma abundante carga horária dedicada a fuçar na internet. Internet que na época eu começava a conhecer, e era moda! Então eu navegava horas inteiras investigando sites dos mais diversos assuntos. Poucos anos antes mal sonhava eu em ter acesso continuo àquilo que viria a ser o oráculo do terceiro milênio.
A vida de um estagiário do interior que mora sozinho é bem solitária no fim de semana (na verdade eu morava com o Bill, mas ele quase nunca aparecia). Nesses momentos de solidão, sem internet em casa (nem existia banda larga na época) me restavam os livros e os filmes. Eu nunca tinha ido ao cinema, e na época o único existente em Guarapuava ficava dentro da UNICENTRO e passava alguns filmes comerciais com semanas de atraso. Naquele sábado resolvi arriscar uma seção. Caminhei pela calçada a quadra que separava minha kit da universidade, a noite estava calma e voltavam pessoas da missa.
O filme em cartaz era Encontrando Forrest, um drama sobre um velho escritor e seu pupilo adolescente, estrelado por Sean Connery, que eu nunca assisti inteiro. As cem cadeiras que compunham a sala de projeção estavam quase desertas. Alguns casais de namorados se amassavam nas filas do meio, resolvi sentar na ultima. Pouco antes do filme começar, com as luzes já apagadas, notei um vulto que se sentou na mesma fila que eu, porém no canto oposto.
Lá pela metade o filme, que estava até interessante, houve problema na película. Travou tudo, as luzes se acenderam. Enquanto eu maldizia a minha precária estréia como cinéfilo reparei na figura pálida na outra extremidade da fila (hoje posso jurar que era muito pálida). Ele me olhou com os olhinhos brilhantes, sorriu e perguntou a hora, meio sem jeito. Acho que queria puxar conversa, mas eu nunca fui muito simpático: disse a hora e me calei. O filme voltou, retomei o interesse, mas passados uns 15 minutos emperrou de vez. Um senhor simpático que cuidava do cinema (mais tarde vim saber que era o Seu Moreira) veio pedir desculpas a diminuta platéia. Ingressos seriam distribuídos na saída para vermos o filme em uma outra sessão, se voltasse a funcionar. Quando saí nem reparei na ausência prematura do meu companheiro de fila, peguei o ingresso que jamais usaria e comecei percorrer pensativo o caminho de volta.
As poucas pessoas que estavam no cinema se dispersaram rápido na saída, e eu me encaminhei sozinho de volta pra casa. A noite continuava serena, estrelada, eu ouvia os ecos da conversa e sentia o cheiro da carne de algum churrasco que ocorria por perto. Quando toquei a maçaneta do portão para entrar em casa a figurinha pálida estava do meu lado. Ele era magro e baixinho, usava calça jeans normal e uma jaqueta preta, que, agora me parece, tinha a gola um pouco protuberante. Tinha cara de cachorro pincher, magricela e com os olhos e os dentes saltados. Eu me assustei é claro, e ele se desculpando me perguntou se eu não sabia de alguma kitinete pra alugar, era de Santa Catarina e queria um lugar pra morar com a irmã. Um pouco contrariado informei-o que ali por perto havia algumas kitinetes e que bastava ele falar com o meu senhorio, que residia logo ali do lado. Dito isso me despedi, abri o portão e entrei pelo estreito corredorzinho que conduzia ao meu quarto.
Quando abri a porta e acendi a luz, a figurinha pálida estava do meu lado. Hoje a minha memória não permite mais lembrar os pormenores da conversa que ele puxou naquele dia. Mas eu fui suficientemente educado para convida-lo pra entrar, e ele pediu pra jogar paciência no meu PC enquanto eu fritava um ovo. Me contou muitas coisas, acho que tinha passado em ciências contábeis, era novo ali. Conversamos mais de uma hora, e não demorou muito pra eu perceber que todos os assuntos de que ele falava eram do meu interesse: filmes, gibis, desenhos animados, filosofia e...vampiros. Quando ele adentrou ao ultimo assunto eu percebi que era um perito. Começou a me contar detalhes do mito que me eram estranhamente conhecidos. Pára tudo!
De repente tudo me veio a mente, no mesmo momento em que minhas pernas começaram a tremer. Nas semanas anteriores, nas minhas infindáveis viagens de exploração ao mundo digital, um dos assuntos em que eu me havia detido era justamente o mito dos vampiros. Vários sites contavam lendas sobre a origem das criaturas, as diferentes espécies, as características e os hábitos. O dono de um dos sites dizia ser ele próprio um vampiro, espalhando os segredos para o mundo. De tão entusiasmado com a hilariante situação eu havia até mandado um e-mail pra ele, pedindo que me provasse...
E agora eu estava ali, sentado frente a frente com aquela criatura pálida e pequena que não parava mais de falar de vampiros. Não sei se ele notou o meu medo, a minha paralisação. Falou do assunto mais uns quarenta minutos. Fiquei sabendo de pormenores que não ouso compartilhar. E quando eu só esperava o momento em que os dentes começariam a crescer e ele me atacaria, educadamente pediu a hora, disse que era tarde, estava com fome e precisava ir. Gentilmente se despediu e saiu. Nunca mais o vi.
O encontro ficou semanas na minha cabeça. Não voltei a visitar sites sobre vampiros. Dormia com a luz acesa. Ficava me perguntando se ele seria mesmo o enviado para por o meu ceticismo a prova, ou apenas uma grande, uma colossal coincidência. Hoje tenho certeza que era um vampiro, e só penso uma coisa: por que não me mandaram uma vampira fatal no lugar do pincher? Talvez hoje eu fosse imortal.

7 comentários:

Paula de Assis Fernandes disse...

kkk... até me deu um arrepio! pq, de cética, eu tenho mto pouco... hahaha... acredito mto em mta coisa, aliás...
e preciso concordar com uma coisa... no seu texto...
"Acho que queria puxar conversa, mas eu nunca fui muito simpático"
não sei como conseguiu conversar tanto tempo com ele, heim?!
=))

Unknown disse...

1°Não chame ele de pincher, ele pode estar lendo esse texto.
2°Se fosse uma vampira, o teu texto poderia ser acusado de plagio da atual modinha do 'Crepusculo'...
3°Eu tbm vi um vampiro uma vez, ele tinha até cartola, estava parado no calçada, perto daquele cruzamento do super Baratão com as farmácias...só nao posso dizer q era o mesmo, pq o meu nao tinha cara de pincher.

Gungi disse...

não precisava ter tanto medo, se era tão parecido com um pincher ele só ia latir e tentar mordiscar sua canela

disse...

Você nem ofereceu um ovo pra ele???

Michele Matos disse...

Veja bem que tanto você quanto a sua irmã se encontraram com o vampiro (eles se transfiguram bastante), o que me ocorre é que talvez vocês sejam adotados e não perteçam ao mundo medíocre dos mortais. Atente-se aos sinais.

Graci disse...

Puxa vida! Nem para compartilhar o ovo?

Devia mesmo é ter te lanchado, rsrs

=)

Unknown disse...

muito bom mesmo! Acho que todo vampiro entra mesmo no curso de "Ciências" Contábeis.