quarta-feira, 15 de julho de 2009

Noir Universitário - Parte 2

Terça feira, 19 de maio. As 22:50, logo que saí da aula, me encaminhei para o local que estipulara para o encontro da minha primeira cliente em potencial. A noite estava fria, uma leve bruma descia sobre a Praça da UNICENTRO, minúsculas gotículas de água lampejavam como brilhantes nas roupas e nos cabelos do pessoal que esperava o ônibus. O inverno já começava a se pronunciar, como em geral se pronuncia todos os meses em Guarapuava. Mas não estava frio o suficiente pra evitar o calor que eu sentia com aquele velho sobretudo de lã, um tanto quanto apertado, que a muito custo consegui emprestar de um colega. O Toty´s estava semi-deserto, como era natural nas terças-feiras quando se aproximava as 11 horas. Me sentei sozinho numa mesa em um canto, posicionando-me de forma a poder ver o ponto de ônibus de fronte à universidade através dos plásticos que servem de paredes. Fiquei pensando em que bebida pedir que me pudesse atribuir alguma elegância. Demorei pra decidir, um pouco de propósito, pois o dinheiro que eu tinha não dava pra ficar bebendo até ela chegar. Depois de 20 minutos pedi uma dose de Wiski, do mais barato.
As 23:35, aproximadamente, vi o vulto amarelado do ultimo ônibus que vinha do terminal, cujo letreiro da frente alternava Santa Cruz e Jordão. Os garçons do Toty´s já me olhavam com inimizade, enquanto bocejavam. Só restava no bar, além dos garçons e eu, dois acadêmicos de filosofia, que embriagados discutiam com veemência se a dialética era ou não invenção de Hegel.
O ônibus parou, percebi uns cinco vultos que se moveram na bruma que se adensara. Só um tomou a minha direção. Sem eu saber por que, meu coração acelerou. Discretamente abri o livro que estava segurando em uma página qualquer e fingi que lia com interesse. Mas quando ela entrou, por um buraco lateral das cortinas de plástico que envolviam o Toty’s, não pude deixar de baixar o livro.
Tinha estatura mediana, devia andar pelos seus 20 anos , no máximo. Tinha um corpo bonito, nem exageradamente gordo nem magro demais, onde se destacava o largo quadril. A silhueta do corpo era realçada por uma calça jeans justa que terminava sorrateiramente adentrando em umas botas longas, como era moda na época. A vestimenta se completava com um casaquinho vermelho, transpassado, estilo social, que na verdade em nada combinava com o resto. O rosto, onde brotava um narizinho algo empinado, impertinente, tinha uma beleza exótica. Ela trazia nos olhos claros um suave estrabismo de gato siamês, que atribuía àquele olhar uma impressão de discreta estupidez, estilo Jennifer Aniston, que aos homens tanto agrada encontrar numa mulher. Uma grande boca fechava a composição. Pelas costas se derramava uma basta cabeleira, que o excesso de pinturas consecutivas me impedia de determinar a cor. Chegou apressada, meio sem jeito, como se procurasse algo. Após alguns giros pelo ambiente, seus olhos se fixaram em mim.
Surpreendido por um olhar tão enfático, tentei disfarçar com o livro, mas só consegui balança-lo para cima e para baixo pateticamente. Ela se dirigiu até mim, não reparou no sobretudo (felizmente) mas apurou o olhar para ler o titulo do livro. Sorriu:
-Ah é você, eu já estava desesperada pensando que não encontraria ninguém, que ninguém estaria disposto a me ajudar. Porque convenhamos, hoje em dia não se encontra mais esse tipo de profissional, disposto a auxiliar as pessoas. Na verdade eu nunca tinha visto um detetive particular pessoalmente. Se cruzasse com você na rua jamais pensaria que o senhor (devo chama-lo de senhor) fosse um...
Meu Deus! Como ela fala. Pensei eu, enquanto procurava organizar as idéias e formular alguma frase de efeito para entabular a palestra. Não sabia se deveria tratá-la de senhora, senhorita, madame, moça, resolvi chamar pelo nome, denotaria mais segurança.
- Bem Morgana, é um prazer conhece-la. Mas não percamos tempo com supérfluos, me conte logo o caso, digo, o que esta acontecendo, em que posso ajuda-la. – Quando comecei a falar me dei conta de que as duas doses de wiski barato que eu consumira de barriga vazia afetavam um pouco minhas palavras, que saíram arrastadas. Além disso, não sei porque, imprimi um tom anazalado ao discurso, provavelmente imitando algum detetive de filme. Isso não deve ter dado uma boa impressão.
- Então – começou ela – eu sou de uma cidade do interior e moro aqui faz alguns anos. No começo desse ano uma moça da minha cidade, Minerva, veio morar comigo pra tentar vestibular. A pedido da mãe dela eu fiquei responsável, porque ela nunca tinha estado numa cidade grande como Guarapuava. – enquanto ela falava e retirei do bolso interno do sobretudo uma pequena caderneta que eu usava pra anotar números de telefone e fingi que rabiscava algo nela com uma caneta sem tinta. – Ela se adaptou rapidamente a vida na cidade – prosseguiu ela - fez muitos amigos, circulava em todas as tribos, era muito extrovertida a menina. Várias vezes por semana ela ia nas festas das republicas lá do CEDETEG e chegava de madrugada com dois ou três amigos novos. Eram rapazes bacanas! Mas há mais de uma semana ela saiu em uma noite e não voltou mais...
Ela falou por mais uns 40 minutos, expondo alguns detalhes e respondendo pequenas perguntas que eu fazia. Tomei devidamente nota mental de tudo, e pouco antes de nos despedirmos, falei no assunto que me interessava.
- Esta tudo muito bem. Amanhã mesmo procederei o início das investigações. Meus honorários, para você, vão ser de vinte reais por semana, mais os materiais que eventualmente eu precisar. Eu prefiro pagamento adiantado. – A voz irritante persistia.
- Ah, senhor, por favor, me desculpe, mas agora não tenho essa quantia. Mas posso te trazer amanhã sem falta?
- Tudo bem, no seu caso eu posso esperar. Mas você não teria cincão pra eu poder pagar o Toty’s?
Ela remexeu nos bolsinhos do casaco e retirou algumas notas amassadas. Me senti um pouco vigarista, mas fiz uma promessa pra mim mesmo de ajuda-la da melhor forma. Depois disso ela se levantou, ensaiou um abraço desajeitado de despedida, mas não chegou a dar. Saiu e desapareceu na bruma, atravessando a praça. Fiquei meditando um pouco, até que o garçom educadamente sugeriu que eu me retirasse, pois não havia mais ninguém ali e eu não estava consumindo nada. Paguei a conta com os trocados, e sai, descendo vagarosamente a rua da UNICENTRO. Meus pensamentos voavam longe, amanhã seria o dia...o dia em que eu estrearia em meu primeiro caso como detetive particular. Em pleno século XXI.

(Continua...)

6 comentários:

Gungi disse...

E onde conseguiu o Brida???

Michele Matos disse...

Martini com uma azeitona é uma boa pedida, não importa a profissão.
Eu já teria desistido no seu lugar, poucas pistas...difícil.
Conseguirá nosso amigo detetive solucionar esse caso? Não perca o próximo capítulo!

Paula de Assis Fernandes disse...

Ahm... então não é só esse jeito misterioso que o sr tem!!! Tb desvenda mistérios?! ;)

Unknown disse...

A menina era vesga.(ponto final)

Drica disse...

Intrigante...

Anônimo disse...

me mata de curiosidade!!!

posta logo a continuação....