sexta-feira, 7 de novembro de 2008

40 minutos


Ele sempre pensava que 40 minutos era o tempo necessário para que uma cerveja pudesse ser degustada com alguma dignidade. Assim, sorvida por um homem só. Além disso, se demorasse menos, o que faria com o resto do tempo?
Era assim que gostava de aproveitar a vida, e, podemos crer, uma vida inteira pode ser esgotada assim, de 40 em 40 minutos, de cerveja em cerveja.
Aos que o observavam, esse comportamento podia parecer indolente. Mas era uma coisa que não parecia preocupá-lo: o que os outros pensavam. Alias, pouca coisa preocupava-o (pelo menos aparentemente). Sentado ali, seu único interesse repousava sobre a necessidade de esvaziar, vagarosamente, aquele copo.
Trajava-se de modo desleixado, mas portava sempre um paletó, que embora antigo e fora de moda, ainda conservava um certo charme rústico. Na verdade gostava do paletó porque possuía um bolso interno na medida certa para uma caderneta de notas que trazia sempre consigo. No seu íntimo ele imaginava que, se uma caderneta de notas tivesse de ser sacada de algum lugar, que fosse de um bolso interno, pra dar mais gravidade ao ato. Porém, nos cinco anos que havia por ali aparecido, ninguém o vira jamais tirar do bolso a caderneta.
Por atitude própria, nunca falava com ninguém. Mas respondia com educação a qualquer interpelador, o que, vez por outra, inseria-o em alguma conversa. Sempre quando indagado sobre o que andava fazendo, respondia tranqüilamente que estava em busca de uma idéia original. Fora isso, pouca coisa podia-se dele saber.
No barzinho, que freqüentava diariamente a alguns anos, já tinha cadeira cativa, e o dono do bar sentia certa simpatia por ele apesar de não saber de onde vinha e de poucas vezes ter ouvido a sua voz. Aquela atitude contemplativa sempre inspirava, se não simpatia, ao menos respeito.
Naquela tarde de terça-feira, em que as cores do outono já se deixavam notar, o dono do bar observou intrigado quando seu mais assíduo cliente retirou do bolso interno do paletó uma pequena caderneta e rabiscou umas palavras. Depois disso ele terminou, vagarosamente, aquela cerveja, levantou-se e com um estranho sorriso se despediu do dono do bar.
Nunca mais voltou.
O que ficou dele, naquele lugar, foi uma inquietante dúvida na cabeça do bodegueiro, que na tarde de terça, do balcão onde estava, pode observar a anotação na caderneta: 40 minutos.

Um comentário:

Drica disse...

Ele deveria ter 40 anos, porque penso que aos 20, uma cerveja dura 20 minutos.

ps: legal você por aqui!